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Foto do escritorPedro Feitosa

A influência da cultura negra na moda


Dia 20 de Novembro é o Dia da Consciência Negra, uma data que carrega um árduo passado de luta. Nesse pretérito, diversos movimentos ascenderam em busca de espaços inibidos, não sendo diferente no ramo da moda. A indústria da moda, como um todo, é historicamente elitista e desigual, logo, comunidades e movimentos com alto impacto na cadeia foram ofuscados ao longo dos anos. Hoje, olhando para trás, fica evidente a tamanha significância e pioneirismo das vozes, antes caladas, no ramo da moda.

Dito a problemática enraizada na indústria, é mais que essencial conceder olhares aos grupos que vieram na contramão ao sistema racista e excludente, contribuindo de maneira exponencial ao setor, embora as dificuldades. Influências oriundas de pessoas negras no ramo é algo visualizado desde o início do entendimento de moda em nossa sociedade, sendo esses reflexos contribuintes para a ascensão criativa, social e comercial do setor.

A significância da moda afro é instigante pelo fato de superar os aspectos de representação cultural, sendo também viabilizada como um instrumento de resistência contra a discriminação racial em sociedade. É um movimento movido pela libertação somada ao anseio à repressão. Impactos das mobilizações negras na moda costumam aparecer nos meios após o surgimento do Streetwear ou do Hip-Hop. No entanto, o ativismo preto na moda teve início bem antes, sendo responsável pela disseminação de inúmeras tendências fashionistas contemporâneas, como é o caso do jeans.


Lucien Clarke for Palace Skateboards X Umbro Jersey


O jeans é conhecido por ser uma das contribuições estadunidenses ao mundo da moda, todavia, a história de como a peça se tornou um ícone possui grandes laços com os negros escravizados no século 17. Originalmente a peça era de baixa qualidade, produzida por algodão, cânhamo ou linho, mas com alta durabilidade, tornando-se uma vestimenta de “trabalho” utilizadas pelos escravos. Naquela época, o traje era conhecido como “Negro Cloth” ou “Slave Cloth”, e era tida como imprópria para uso de outras pessoas além dos escravos, por ser uma vestimenta cotidiana de um classe tida como inferior. Na época, havia uma diferenciação estética entre as classes sociais através das peças de roupa que o indivíduo utilizava.

Sua disseminação, portanto, deve-se muito ao trabalho forçado, problemática que, infelizmente, segue ocorrendo de maneira intensa na indústria da moda, sendo agentes impulsionadores do setor. Contudo, o jeans, que era uma peça sem respeito na sociedade estadunidense tornou-se um símbolo de solidariedade com o trabalhador, sendo utilizado em protestos reivindicando os direitos civis pela comunidade negra no século 20. A ideia de que você não precisava provar seu valor para a sociedade branca se manifestou de várias maneiras depois que ativistas negros se vestiram de jeans. Como menciona Miko Underwood, ativista negra e fundadora da Oak & Acorn, primeira marca sustentável de jeans do Harlem, “O jeans serviu não apenas como um uniforme rebelde para a cultura dos ativistas da classe média, mas também como um laço de alma para os trabalhadores negros”.


Ativistas negros vestindo Jeans em protesto por direitos humanos


Até a famosa tonalidade azul índigo do jeans tem relações com os negros. No século 18, com a ascensão do comércio de escravos, ficou conhecida uma planta nomeada de “indigofera tinctoria”, originária da África Ocidental, que era responsável por tingir as peças com seu corante natural. A planta viajou da África aos Estados Unidos junto aos escravos e era uma das safras mais lucrativas da época, perdendo apenas para o açúcar e para o algodão. E assim fora criado o laço que relaciona a história do jeans e do índigo com a escravidão e, sobretudo, com os negros.


Levi’s X Denim Tears, coleção com referências a história negra estadunidense, 2020


O jeans é uma peça fundamental na cultura do streetwear e do hip hop, sendo uma ponte que relaciona ambos os movimentos com a cultura negra. O streetwear emergiu nos anos 80, com raízes na Califórnia e em Nova York. Moldado a partir de influências do skate, surf e hip hop, foi um movimento de ascensão contínua. O interessante dessa mescla de influências é que todas (assim como a moda) são expressões artísticas de identidade que sofreram por inúmeras problemáticas sociais. Portanto, muito além de uma vertente de estilo, o streetwear é um movimento cultural e político, sendo fundamental compreender sua história, grandeza e representatividade para diversas culturas. Assim como quaisquer fenômenos culturais, o streetwear é uma derivação oriunda de uma mudança que deu amplo controle à massa social, englobando moda, música e arte.

A conexão entre uma vertente de estilo com um movimento cultural é sem dúvidas um fator contribuinte para o sucesso atual e esse é um dos motivos a quais devemos aprender sobre sua história e compreender suas lutas subjacentes. O pioneirismo dessa vertente deve-se ao movimento negro, foi ela a comunidade responsável por seu molde. Podemos afirmar que a criação do streetwear foi um processo que começou entre 1950 e 1960, nas ruas do Bronx, em Nova Iorque, com a criação do gênero musical Hip-Hop. Com uma ascensão gradativa, em alguns anos o gênero floresceu chegando ao Brooklin e, em seguida, espalhando-se mundo afora. Foi a partir dos primeiros singles de rap, nos anos 80, que as primeiras tendências do streetwear foram estabelecidas, e é interessante contextualizar que a geração jovem dos negros, que trouxeram a vertente de estilo, passou por uma grande injustiça sistemática no período de Guerra às Drogas, refletindo em um tremendo encarceramento em massa e marginalização da comunidade pioneira. A música, além de tendência de estilo, era também uma forte via de resistência política em meio a injúria social da época.


Supreme and the 90’s. Foto por Bryce Kanights


Imprescindível mencionar também que não é pelo fato da criação do streetwear ser oriunda dos movimentos negros que a vertente pertence somente aos mesmos ou que os negros são monolíticos no estilo. O streetwear como movimento cultural tem a missão de espalhar a sensação de pertencimento e uma de suas bases é a autenticidade, que anda unida com a pluralidade. É um movimento que saiu de baixo e conquistou camadas superiores de uma maneira sem igual no mundo da moda, refletindo em uma democracia única no meio. O streetwear é uma forma de expressão oriunda da base, sendo assim sua criação continuará vindo da base, nunca das grandes empresas que se apossaram da cultura. É magnífico ver uma vertente da moda tão abrangente, promovendo autenticidade e participação de pessoas de quaisquer raças ou classes sociais.

Contemporaneamente é possível notar essa interação diversa e ampla, mas criar e apresentar ao mundo um conceito estético das ruas e marginalizado foi um processo longevo, excludente e de muita luta. O direito plural de se vestir de tal maneira é consequência direta do pretérito de sangue que os negros vivenciaram ao longo da evolução humana. No mesmo período em que o hip-hop e o streetwear surgiram, outro aspecto envolveu a disseminação das culturas negras, a interseccionalidade.


Angel em Pose, Netflix


Já era de uma dificuldade tremenda persuadir uma cultura explorada sendo homem negro, todavia, fazer esse papel sendo uma mulher negra ou negro LGBTQIA+ foi ainda mais difícil. Um retrato desse período fica evidenciado na série televisiva “Pose”, da Netflix. A série ocorre no mesmo período supracitado, abordando a vida de pessoas LGBTQIA+, com foco na vivência de mulheres transsexuais e drag queens negras em Nova Iorque. Em um cotidiano repleto de referências culturais e da moda, é apresentado ao espectador a luta social das comunidades negras e LGBTQIA+, possibilitando enxergar essa evolução e a dificuldade que foi para chegarmos nos níveis atuais, além de abordar e fazer críticas a pautas acentuadas, como o racismo e a homofobia. É certo que discriminações de gênero e raciais seguem acontecendo, cotidianamente. No entanto, cabe a nós, amantes da cultura, compreender tal passado problemático e mobilizar em ações para que esse simples direito de vestimenta carregado de traços culturais siga acontecendo. Se você gosta de moda e quer compreender de certa forma o passado de luta dos movimentos antes ofuscados, recomendamos Pose! Muito aprendizado e noção plural da sociedade é concedido ao questionar as problemáticas abordados, além de contextualizar-se em uma época sem igual da moda.


Angel em Pose, Netflix


Em suma, o papel da comunidade negra para a moda é vital. Se hoje desfrutamos de tal direito é pelo passado de luta. Que o mês da consciência negra seja, de fato, pela conscientização. Consuma, pesquise, estude e, sobretudo, respeite as mobilizações sociais oprimidas, sem elas quase nenhuma tendência atual existiria. É fato que as pessoas negras tornam as coisas descoladas e, por fim, vos questiono, vivências são pressupostos de tendências?




Referências:


The New Fashion Initiative, 2019. The Untold History of Blue Jeans, Indigo, and Slavery. Disponível em: <https://thenewfashioninitiative.org/the-untold-history-slavery-blue-jeans/>. Acesso em 20 nov. 2021.

Washington, Z. The Uncredited History of Denim & Black Activism. The Zoe Report, 2020. Disponível em: < https://www.thezoereport.com/p/the-history-of-denim-black-activism-americas-uncredited-fashion-revolution-30222758>. Acesso em 20 nov. 2021.

Carlos Quinto, A. Moda afro-brasileira é uma das armas de resistência contra a discriminação racial. Jornal da USP, 2020. Disponível em: <https://jornal.usp.br/ciencias/moda-afro-brasileira-e-uma-das-armas-de-resistencia-contra-a-discriminacao-racial/>. Acesso 20 nov. 2021.

Deloach, T. The Power of Black People in Fashion. Unpublishedzine, 2020. Disponível em: <https://www.unpublishedzine.com/fashion-beauty-1/the-power-of-black-people-in-fashion>. Acesso em 20 nov. 2021.

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