Ao longo da história, a comunicação, elemento vital para a convivência em sociedade e a expressão individual, veio moldando e influenciando a maneira como as pessoas se comportam. Com a chegada das mídias audiovisuais, como a do cinema, em 1895, e a da televisão, em 1920, vários padrões de comportamento eram retratados em histórias que incorporaram a cultura da época em diversos aspectos. A indústria do entretenimento, incluindo a da música, desde o início criou tendências e nomes que personificavam uma personagem ou um estilo que estivesse em alta e que ajudasse a massificar os desejos de consumo.
A moda, como elemento cultural e forma de expressão, não deixou de ser altamente influenciada por essas produções, e assim, inúmeras roupas foram eternizadas em filmes, músicas e séries como símbolos de tal história e de tal personagem. No entanto, como há o evidente desejo de aproximação ao personagem e a sua realidade, as peças de roupa representadas e incluídas ao estilo de tal persona tornam-se facilmente tendências que significam um aumento considerável da demanda pelo(s) item(s).
Ao passar dos anos, ao longo de todo século XX, várias foram as pessoas, personagens e produções que se tornaram referência ao estilo de toda uma geração. Bonequinha de Luxo, Marilyn Monroe, Mae West, Katharine Hepburn, E o Vento Levou, Esther Jones são alguns dos exemplos de nomes que influenciaram e ditaram a indústria da moda e como as pessoas se vestiam por grande parte do século passado. Mas Rihanna, Patricinhas de Beverly Hills, Destiny’s Child, Curtindo a Vida Adoidado, Footloose, Elvis Presley, The Beatles e diversas outras produções frutos da indústria do entretenimento são responsáveis pela forma como nos vestimos e como tomamos nossas decisões de compra.
FILMES E SÉRIES DE TELEVISÃO
O impacto da televisão na influência da decisão de compra das pessoas é um dos maiores dentre os meios de comunicação na indústria do entretenimento, o que fez com que diversos filmes, personagens e atores/atrizes fossem consagrados e eternizados como ícones da moda e representantes de um determinado item. Segundo um estudo da Growth from Knowledge, uma empresa de consultoria e pesquisa independente para a indústria de produtos de consumo global, indica que 56% dos consumidores consideram a televisão como o meio midiático que mais lhe apresenta produtos. Além disso, na mesma edição de 2019 de seu estudo Purchase Funnel em parceria com a TVB (Television Bureau of Advertising), 85% dos consumidores afirmaram que a mídia influenciou sua decisão de compra outros 85% dos adultos e 91% dos millennials relataram que essa publicidade influenciou suas pesquisas online. Esses dados podem nos ajudar a entender como algumas produções do audiovisual, principalmente as televisionadas, eternizam itens e roupas de seus personagens.
Apesar de já possuir laços muito próximos com a moda e a indústria, a família real britânica, retratada na série The Crown, é tida como referência de estilo e de roupas. Quando a princesa Diana, representada pela atriz Emma Corrin, apareceu na 4a temporada usando um suéter com estampa de ovelha, as buscas pelo item apresentaram um pico de pesquisas no google, enquanto o marketplace Lyst enfrentou aumento de 110% nas buscas pelo suéter. O mesmo site encarou também o aumento no interesse em diversas outras peças que também aparecem na série, como blusas rosas de gola alta (aumento de 73%) e camisa com babados (aumento de 31%). Mesmo sendo uma série que apresenta o drama da família real no passado, a realeza britânica ainda ajuda a criar tendências e moldar o consumo no setor da moda. Um dos exemplos mais recentes que evidenciam o poder da família real de influenciar o jeito que as pessoas se vestem foi no último dia 29 de Maio, quando a duquesa de Cambridge, Kate Middleton, vestiu um top com uma calça jeans, ambos da marca H&M, para tomar a sua primeira dose da vacina da COVID-19; nos dias seguintes, as peças ficaram indisponíveis no site para a compra.
Outra produção cinematográfica que estabeleceu um marco para a moda foi o filme Matrix, onde a estética punk futurista se faz presente nas roupas utilizadas pelos personagens. Quando se pensa sobre o filme, além de vir a imagem das pílulas azul e vermelha e das acrobacias em câmera lenta para se desviar de balas, é impossível não lembrar dos sobretudos pretos vinílicos, blusas de gola alta justas, acessórios robustos e brilhantes e coturnos pretos que parecem prender o corpo ao chão. Essa estética punk alternativa altamente associada ao futuro, principalmente em obras que retratam um cenário futurista distópico como em Blade Runner e O Quinto Elemento, não se limita às telas, mas também impacta e inspira coleções e consumo no mercado da moda. Logo após a estréia, em março de 1999, John Galliano, diretor criativo da Dior na época, já incorporou no mesmo ano, em sua coleção de alta costura de Outono/Inverno, a estética apresentada pelo filme e foi altamente aclamado pela crítica naquele ano. Outro acessório essencial ao filme que já foi muito utilizado nos anos 1990s, mas retornou às lojas nos últimos anos foram os micro-óculos que se tornaram ícone de estilo 30 anos atrás e voltaram nos últimos 3 anos, como mostra o pico de pesquisas por “matrix glasses” e “tiny sunglasses” no Google.
(À esquerda, o desfile de John Galliano para Dior HC FW 1999 e, à direita, Bella Hadid, que se tornou uma das principais adeptas aos óculos do estilo do filme)
MÚSICA
A crescente procura por peças a partir de referências de estilos de diversos nomes na indústria musical tem sido cada vez mais recorrente e importante. Cantores e bandas sempre inspiraram a maneira pela qual pessoas se vestem, como podemos ver nos diversos movimentos culturais que tinham a moda como elemento central nos anos 1990s. O movimento punk marcado pelo Ramones - com correntes pesadas, coturnos, couro e moicano -, o movimento hippie eternizado por Janis Joplin - com suas formas mais fluidas, cores contrastantes e ativismo nas peças -, e o movimento do disco protagonizado por Donna Summer e a balada Studio 54 - que deu espaço ao paetê e ao glitter, aos sapatos altos de plataforma e com saltos quadrados - são só alguns poucos exemplos de como a música significou e serviu de referência ao consumo da moda durante a história.
Uma das maiores referências quando se trata da relação entre música e moda é o cantor britânico Harry Styles, quem é uma das principais caras da italiana Gucci e quem cria tendências entre os fãs e introduz itens ao guarda roupa masculino. O ex-participante da banda One Direction é um dos maiores nomes quando falamos de moda masculina, principalmente por quebrar padrões clássicos de gênero e também por questionar a falta de inclusão no mundo da moda e nas grandes marcas de luxo. Parceiro leal da Gucci e de seu diretor criativo, Alessandro Michele, Harry Styles sempre é visto com diversas peças da marca como forma de divulgação. Segundo uma pesquisa feita pela Harvard Business Review, os millennials, nascidos entre 1980 e 1996, para serem mobilizados e atraídos por uma empresa, seus esforços de promoção precisam ser mais criativos e por diferentes meios fora os convencionais. Dessa maneira, ao ter alguma forma de contrato, a Gucci, cujo público alvo é composto largamente por millenials que, principalmente os mais jovens, também escutam e acompanham o cantor, o usa como meio de divulgação de suas roupas e de seu branding que é muito único à marca.
O impacto de Harry é tamanho que, em 2020, em meio a pandemia, quando foi visto usando um suéter de crochê da marca inglesa JW Anderson que custava acima de £1250, levou a internet à loucura. Além do casaco ter esgotado logo após, ele deu origem a uma tendência na rede social TikTok que incentivava os próprios usuários a crochetar um suéter igual. A hashtag #HarryStylesCardigan atingiu mais de 71,7 milhões de visualizações no aplicativo, e até o próprio designer da JW Anderson, Jonathan Anderson, resolveu tornar pública um manual de passo a passo para os fãs conseguirem fazer o cardigan em casa. Podemos entender essa atitude através da gigantesca visibilidade que o cantor e que o casaco deram à marca que ficou em evidência durante boa parte de 2020.
A indústria do entretenimento influencia e promulga o consumo da indústria da moda, como a indústria da moda influencia e promulga o consumo da indústria do entretenimento. Entendo que todos os pontos e exemplos que aqui trouxe corroboram com a ideia de entendimento único dessa premissa. Mas não podemos nos esquecer que esta é uma via de mão dupla, já que o entretenimento retrata a realidade e as nossas vidas de modo a fazer com que nos encontremos em personagens e em músicas. O entretenimento, assim como a moda, fazem parte da nossa cultura e a endogeneidade entre esses fatores é certa.
*Como um bom Gen Z, escrevi este texto ao som do novo álbum da Olivia Rodrigo, “Sour”.
REFERÊNCIAS
BLOCK, Elinor. TV Shows Set the Fashion Trends These Days - Here's All the Proof. WHO WHAT WEAR. Disponível em: <https://www.whowhatwear.com/how-tv-changed-the-way-we-dress/slide7>. Acesso em: 10 Jun. 2021.
CHITRAKORN, Kati. How JW Anderson’s cardigan went viral on TikTok. Vogue Business. Disponível em: <https://www.voguebusiness.com/companies/how-jw-anderson-harry-styles-cardigan-went-viral-on-tiktok>. Acesso em: 10 Jun. 2021.
Study Finds Television’s Impact on Consumer Purchasing Behavior is Greater Than All Other Media Combined. Business Wire. Disponível em: <https://www.businesswire.com/news/home/20190619005481/en/Study-Finds-Television%E2%80%99s-Impact-on-Consumer-Purchasing-Behavior-is-Greater-Than-All-Other-Media-Combined>. Acesso em: 10 Jun. 2021.
TLF. Harry Styles: A Model of Modern Day Fashion Advertisement. The Fashion Law. Disponível em: <https://www.thefashionlaw.com/is-a-harry-styles-gucci-partnership-in-the-making/>. Acesso em: 10 Jun. 2021.
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